Analgesia, sedação e bloqueio neuromuscular na pandemia COVID-19


Introdução

  • Gerenciar a  sedação e analgesia do paciente para aliviar a ansiedade e a dor e facilitar a ventilação mecânica é um dos papéis-chave no cuidado do paciente crítico
  • Em um contexto em que poderá haver desabastecimento, há que se racionalizar o uso de analgésicos e sedativos, bem como introduzir na prática clínica algumas drogas não comumente utilizadas no contexto dos pacientes críticos
  • A primeira regra é tratar a dor antes. Analgesia adequada é um componente essencial no tratamento / prevenção da agitação, mesmo antes do uso de sedativos, uma vez que a dor é um dos principais motivos de agitação nestes pacientes e múltiplos são os fatores que desencadeiam dor nesta população.

ANALGESIA

Uso de neurolépticos como adjuvante

•Uma das principais causas de agitação na UTI é a ocorrência do delirium.

•O uso de neuroléptico para controle dos sintomas de delirium, além do uso de analgesia regular, pode reduzir a necessidade de sedativos, reduzir tempo de internação e facilitar o desmame ventilatório.

Recomendação:

•Monitoramento do delirium diariamente,sempre que possível, através de uma escala validada por exemplo: - CAM-ICU ou Intensive Care DeliriumICDSC) e que terapias não-farmacológicas de prevenção do delirium sejam estabelecidas precocemente.

•Os principais neurolépticos disponíveis no Brasil e estudados no ambiente de terapia intensiva são: haloperidol, quetiapina, olanzapina e risperidona.

O haloperidol é o mais utilizado para pacientes críticos, porém está associado a maior presença de efeitos extrapiramidais e seu uso prolongado deve ser monitorado. O seu efeito sedativo inicia-se cerca de 20 minutos após administração, devendo-se respeitar este período de resposta à dose.

• O uso de neurolépticos, particularmente por via EV, deve ser realizado com cautela nos pacientes com risco de arritmia ou intervalo QT longo (QTc > 460ms).

•Doses elevadas devem ser utilizados com os pacientes monitorizados.

•Administrar neurolépticos na presença de agitação e/ou delirium de rotina, antes de optar pela sedação.

• Na ausência da disponibilidade dos neurolépticos citados acima utilizar outras alternativas descritas na TABELA abaixo.

Tabela - Neurolépticos e Antihistamínicos: Adjuvantes na sedação e controle de agitação

Tabela- Alternativas aos neurolépticos (haloperidol, quetiapina, olanzapina, risperidona)

SEDAÇÃO

  • A escolha do sedativo deve sempre levar em consideração o objetivo desejado da sedação: Paciente calmo, confortável, cooperativo e comunicativo, exceto quando indicada sedação profunda.
  • A sedação profunda no ambiente de terapia intensiva está associada a aumento do tempo de ventilação mecânica, aumento do tempo de internação em unidade de terapia intensiva (UTI), internação hospitalar e aumento da mortalidade. Por isso, atualmente, está indicada apenas em casos selecionados. Portanto a meta é evitar a sedação.
  • Assim como nas considerações feitas para analgesia deve-se utilizar uma escala para titulação da sedação; a escala recomendada é a escala de RASS. 
  •  Graduação: O alvo para sedação é manter um RASS de -1 a +1. As indicações de sedação profunda (RASS -4 a -5), para este perfil de pacientes são: Pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) grave (P/F <100) e/ou com necessidade de curarização e/ou posição prona deverão ser sedados com alvo de RASS -4 a -5.
  • A sedação profunda deverá ser mantida pelo menos até a suspensão do BNM. Após a suspensão do BNM, a redução da sedação deverá ser realizada conforme a melhora clínica do paciente.

Principais classes de sedativos

Sedação para intubação orotraqueal

  • O procedimento de intubação orotraqueal possui elevado risco de disseminação de gotículas e aerossóis.
  • A indicação precoce e a escolha do sedativo adequado podem minimizar os riscos ocupacionais e garantir o rápido acesso a via aérea.
  • Recomenda-se o uso da sequência rápida de intubação para todos os pacientes a não ser que haja preditores de intubação difícil.
  • A técnica associa a utilização de um sedativo de ação rápida a um bloqueador neuromuscular.
  • Existem vários sedativos disponíveis, como principais agentes recomendase o uso de:  etomidato, propofol, midazolan ou fentanil.
  • Para os pacientes instáveis, dar preferência ao uso de  etomidato.
  • O tempo entre a indução do bloqueio neuromuscular e a manipulação da via aérea deve ser monitorado de forma a impedir a rápida queda de saturação e garantir o efeito adequado da droga, minimizando o risco de tosse.
  • Se necessário ventilação por ambú, recomendamos utilizar o ajuste de máscara com as duas mãos e adaptar filtro entre a máscara e o ambú.
  • A lidocaína pode ser utilizada como adjuvante de forma a inibir o reflexo de tosse e atenuar o aumento da resistência nas vias aéreas secundária ao estímulo irritativo do tubo orotraqueal, principalmente durante a aspiração.

Tabela - Sedação: Apresentação, Posologia e Ajustes

Tabela - Alternativa Sedação: Apresentação, posologia e ajustes

BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES

  • Os BNM bloqueiam a transmissão de impulsos na junção neuromuscular, assim paralisando a musculatura esquelética. Bloqueiam a ligação da acetilcolina (Ach) na placa motora, seja por ligar- se aos receptores colinérgicos (bloqueadores despolarizantes) ou por criar inibição competitiva com o receptor de Ach na placa motora. Em UTIs apresentam algumas indicações, que devem ser criteriosamente avaliadas.
  • Recomendações:
    • Falência respiratória necessitando de intubação imediata; bloqueador de meia vida ultra-rápida para intubação, se necessário.
    •  Hipoxemia grave e refratária ( SDRA grave (P/F < 100); contribui na diminuição do trabalho respiratório e consumo de oxigênio por abolir o tônus muscular.
    • Pode apresentar maior benefício nos casos de dissincronia com o ventilador mecânico (VM) 
    • Tremor no tratamento por hipotermia após parada cardíaca
    •  Situações em que movimentos involuntários ou dissincronia com o VM possam ser deletérios:
      •  Tétano ou síndrome neuroléptica maligna
      • Hemoptise severa ou sangramentos controlados -
      • Aumento grave da pressão intracraniana
      • Síndrome do compartimento abdominal

Tabela - Bloqueadores neuromusculares

Tabela - Analgesia: Opiáceos Fortes - Uso em Bomba de Infusão Contínua - Apresentação, Posologia

Tabela - Analgesia: Analgésicos Comuns, Opiáceos Fortes e Fracos – Uso Intermitente – Apresentação, Posologia

Anexo 1- Escala NRS no protocolo AMIB

Anexo 2- Escala BPS NO PROTOCOLO AMIB

Anexo 3 - Escala CPOT no protocolo AMIB

Anexo 4 – Escala RASS no protocolo AMIB

PONTOS CHAVES

  • Sempre que possível utilizar escalas de avaliação de dor.
  • Sempre administrar analgésicos comuns que são poupadores de opiáceos.
  •  Sempre preferir administração intermitente de opiáceos.
  •  Reservar fentanil e análogos para os casos com instabilidade hemodinâmica ou presença de contra-indicações ao uso de morfina.
  •  Na presença de agitação psicomotora sempre checar previamente parâmetros vitais e do ventilador, antes de optar por aumento de analgesia, uso de neurolépticos ou sedação; hipoxemia é causa comum de agitação.
  •  Sempre administrar neurolépticos nos casos de agitação persistente, após afastar a persistência de dor; são poupadores de sedativos.
  •  Sempre utilizar as menores doses possíveis de analgésicos e sedativos utilizando escalas alvo de sedação e analgesia. 
  •  Lembrar que opiáceos têm efeito sedativo.
  • Sedação profunda apenas nas situações citadas anteriormente.
  •  Tentar evitar o usos de benzodiazepínicos, relacionados ao aumento de delirium, tempo de ventilação mecânica e mortalidade.
  •  Associação de sedativos para diminuir o uso de benzodiazepínicos em doses altas pode ser uma estratégia nos casos de necessidade de doses maiores para atingir o alvo.  Clonidina é boa opção de sedação.

Bibliografia

(Adaptado de) Elaboração: equipe de intensivistas do Complexo Hospitalar do Trabalhador – CHT – Curitiba –PR